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Anistia avança na Câmara, mas deve travar no STF: votos, bastidores e o plano B

O que foi aprovado e o que vem agora
311 a 163. Com essa contagem, a Câmara dos Deputados apertou o acelerador e aprovou a urgência do projeto de anistia para atos e manifestações políticas desde 30 de outubro de 2022 — faixa que abarca os bloqueios pós-eleição, os acampamentos em frente a quartéis e, no centro do debate, os ataques de 8 de janeiro. A urgência tira o texto das comissões e joga o mérito direto no plenário.
O projeto é de Marcelo Crivella (Republicanos-RJ), apresentado em 2023. O presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), escalou Paulinho da Força (Solidariedade-SP) para relatar. A oposição quer uma versão ampla, sem restrições, que alcance inclusive o ex-presidente Jair Bolsonaro, condenado pelo Supremo Tribunal Federal a 27 anos e 3 meses por tentativa de golpe de Estado. Motta, porém, disse a aliados que incluir Bolsonaro seria inconstitucional.
Por quê? Ministros do STF já registraram, durante o julgamento do ex-presidente, que anistia não se aplica a crimes contra a democracia. A leitura é que esses delitos ferem cláusulas pétreas da Constituição — como a soberania popular e a separação de Poderes — e, portanto, estão fora do alcance de um perdão legislativo. Esse recado coloca uma trava jurídica de início de conversa.
Nos bastidores, cresceu a busca por um plano B: em vez de perdão geral, modulação de penas. Seria um texto delimitando reduções a condenados e presos por 8 de janeiro, calibrando punições conforme a conduta. Parte da base governista entrou nessa costura com Motta, enxergando na redução de pena um caminho para “enterrar” a anistia ampla sem comprar briga direta com a oposição.
Onde entra o governo? Lula sinalizou a aliados do PDT que não se opõe à modulação, lembrando — num almoço com ministros e parlamentares do partido — os 580 dias que passou preso. Ao mesmo tempo, o Planalto pagou um preço político: por não bancar um acordo na chamada “PEC do Escudo”, enfrentou retaliação no plenário e viu a urgência da anistia prosperar.
Na prática, a trilha agora tem várias etapas: Paulinho da Força precisa apresentar seu parecer; a Câmara vota o texto (base e destaques); se passar, segue para o Senado; aprovado lá, vai à sanção presidencial. Em qualquer ponto desse caminho, o tema pode parar de novo no Supremo por meio de ações diretas que questionem a constitucionalidade.

Onde a disputa vai parar: Supremo, modulação de penas e política
O 8 de janeiro virou o eixo da discussão. Há réus já condenados por diferentes crimes — de dano qualificado e incitação a golpe até associação criminosa e tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito. O STF sinalizou que não admite anistia para esse núcleo duro. Mesmo assim, o Congresso pode tentar separar perfis e condutas para modular penas no varejo.
Como funcionaria a modulação? Parlamentares discutem critérios objetivos, por exemplo: distinguir quem financiou e organizou da massa que aderiu; diferenciar quem vandalizou e invadiu prédios públicos de quem estava no entorno sem violência; prever reduções maiores para réus primários e sem participação em atos de liderança. A ideia é reduzir penas e prazos de cumprimento, sem apagar condenações.
Por que o recorte começa no dia 30 de outubro de 2022? É o marco do segundo turno presidencial. A partir dali, houve bloqueios de estradas, acampamentos e uma cadeia de eventos que culminou na depredação das sedes dos Três Poderes. Esse desenho amplia o alcance do projeto para além do 8/1 e pressiona por uma solução política que fale com diferentes públicos — da base radicalizada à ala moderada do Congresso.
O ponto mais sensível é Bolsonaro. Se o relatório tentar incluí-lo, a chance de o STF barrar o trecho é altíssima. E, mesmo sem citá-lo, qualquer fórmula que dê perdão a crimes tipificados como atentados ao Estado Democrático de Direito deve ser questionada. O resultado provável: judicialização imediata, com pedido de liminar, enquanto a lei mal sai do papel.
Do lado político, a urgência aprovada expõe a força de quem controla a pauta da Câmara e sabe usar o calendário como arma. Ao mandar o projeto ao plenário, a Mesa aperta o governo e coloca a bola quicando para a oposição. Mas também abre espaço para um meio-termo que reduza o desgaste: votar um texto de penas mais leves, esvaziando a pressão por um perdão irrestrito.
Para o Planalto, a conta é dupla. Se resiste, pode perder a narrativa de pacificação e ainda apanhar no Congresso. Se cede demais, compra briga com setores que veem a anistia como sinônimo de impunidade. A preferência por modulação tenta equilibrar esses pratos: oferece alívio a réus sem fechar os olhos para os autores intelectuais e financiadores — que ficariam de fora.
O Senado é outro filtro importante. Senadores tendem a reagir a textos muito abertos e podem refinar o escopo da modulação. Qualquer excesso deve ser lima para evitar um confronto direto com o STF. Ainda assim, há quem aposte que, qualquer que seja a versão final, uma ação de inconstitucionalidade virá — e o Supremo dará a última palavra.
No fim das contas, a votação de urgência foi só o prólogo. As decisões de mérito vão mostrar se o Congresso pretende dar um recado de pacificação, manter a pressão sobre o Judiciário ou apenas administrar danos. O detalhe que ninguém ignora: quando o tema é democracia, o Supremo já avisou onde está a linha vermelha.